O Coração
(O Hipocondríaco)

Angela Moura

 

Coração não era fácil. Vivia sobressaltado, cheio de adrenalina. Suas fobias eram as habituais: aquelas passadas de pai para filho e em conversas de esquina.

Afinal, o povo não vive dizendo que coração sofre de umas coisas esquisitas?

Tem a história de um Coração que se engasgou com o caroço da azeitona. A daquele que comeu uma feijoada e morreu dormindo (sorrindo, ainda por cima). O caso de um outro pobre coitado que morreu assistindo a novela das oito.

Era demais, Coração não mandava recado. Cansava e... tchau, tchau. Pensando nisso, Coração resolveu fazer exercícios e caminhadas, das maiores que suas pernas podiam suportar.

Naquele domingo, animou-se e foi andar na praia. Colocou sua roupa nova azul-carbono para melhorar a sorte. E lá se foi nosso Coração dar seu passeio matinal, preocupado em não se cansar demais.
Fazia tanto calor, que chegou em casa exausto.

- O sol está de matar! Ah, Meu Deus, proteja-me sempre dessa palavra! Não quero nem pensar!

Sentindo-se cansado, foi tomar um banho frio para refrescar a cabeça. Ao tirar a camisa do peito, viu no espelho seu corpo todo arroxeado. Entrou em pânico.

- Estou com uma hemorragia ou algum enfarte fulminante! Não vou escapar dessa!

E rezou. Rezou pouco porque teve que tomar as providências para o desenlace. Fez um breve testamento e chamou a família toda para uma calorosa despedida. Foi colocado na maca pelos parentes e levado para o hospital mais próximo.
Coração mais que disparado, quase não acreditou ao ouvir o médico dizendo:

- A pressão do Coração sobe e desce. Que loucura! Nunca vi coisa igual!

- É, chegou a minha vez, pensava ele, ouvindo o médico perguntar:

- Você levou algum tombo para estar roxo assim? Foi alguma batida?

Coração mal conseguia responder: - Não, doutor. Fiz muito exercício e peguei sol demais. Não agüentei tanto esforço. Estou com uma hemorragia interna, um enfarte do miocárdio ou coisa parecida. Vou explodir.
- O senhor acha que tenho alguma chance?

O médico, preocupado, resolveu dar uma injeção para acalmá-lo. Ao passar um algodão com álcool no braço do paciente, o algodão saiu roxinho. O médico começou a rir e não parava mais.

Coração não entendia nada. Cada vez mais roxo, não conseguia falar. Os braços estavam ficando paralisados.

Achando que ia pular pela boca, pensava:
- Será que esse médico é louco? Era o que me faltava! Estou morrendo e ele fazendo piada com a minha desgraça.

Assim, fechou os olhos esperando o pior.
De repente, ouviu uma voz dura:
- Coração, olhe para mim! Veja esse algodão da cor da sua camisa.

O diagnóstico do médico foi simples:
- Vou lhe receitar sombra... água fresca e, com a maior urgência: um bom banho.

E Coração desmaiou... roxo de vergonha.
 

Do livro o ROBÔ DA VIDA e outros Contos.
Copyright© 1993 by Angela Moura

(Repasse com os devidos créditos)



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