A Mulher Caquética

Angela Moura

Todos que ouviam falar na mulher caquética, logo ligavam o nome à velhice, a uma avó, bisavó, ou coisa assim.

Naquela segunda-feira, Milena tinha conhecido a mulher caquética.

De vez em quando pensava naquela mulher, que não era bonita nem feia, nem gorda nem magra, velha ou moça, muito menos alta ou baixa. Era simplesmente caquética.

Impressionada, Milena começou a imaginar um jeito de conhecer sua história ou doença. Talvez um dia pudesse ficar igualzinha a ela...

Olhou no dicionário, na enciclopédia médica, de qualquer jeito faltava alguma coisa. Como é que uma pessoa ficava caquética?

Alguém disse que foi depois que o marido abandonou a infeliz. Outro falou num vírus incurável. Houve até quem dissesse que de um susto ela teria ficado assim. Era pouco provável.

Milena precisava arrumar um modo de conhecer melhor, e de perto, a mulher mais-que-caquética.
Decidiu: ia fazer uma visita com qualquer desculpa dessas de boa vizinhança.

Vestiu sua calça jeans, uma camiseta de malha bem simplesinha, um tênis velho e chegou em frente à porta do 807.
Respirou fundo. Demorou um pouco para tocar a campainha. Quando alguém olhou pelo olho mágico, suas mãos estavam suando.

Logo que a porta se abriu, a mulher caquética apareceu.
Tinha um meio sorriso, os olhos meio abertos e vestia uma só meia. Seu nome era Amélia.
Amável, a dona da casa convidou-a a entrar e foi logo servindo um cafezinho em apenas meia xícara.

Milena, olhando Amélia à luz do dia, não a achou tão caquética, apenas, meio esquisita.

- Até que a caquética, digo a Amélia, tem alguma coisa bonita. Não sei bem o quê. Talvez alguma coisa familiar, pensava Milena.

Amélia, aos poucos, foi se abrindo em sorrisos e a conversa parecia com a de velhas amigas.

Havia uma cumplicidade naquela sala. Parecia que já se conheciam há longo tempo.
Não sabia o porquê, mas Milena achava estranho a afinidade que surgira tão de repente.

Amélia falava como uma de suas colegas de escola. As duas riam de suas lembranças da adolescência.

Alguma coisa cada vez mais incomodava Milena.
Resolveu matar sua curiosidade. Perguntou à Amelia como conseguira aquele apelido.

Amélia ficou meios minutos em silêncio. Em seguida, desandou a falar sobre os fatos de sua vida, seus casamentos, seus trabalhos e suas últimas descobertas.

Contou a Milena que havia adotado uma medida para tudo que a rodeava, a do meio - o famoso mais ou menos. Essa meia-medida fora colocada nas coisas, relacionamentos e sentimentos que tivera na vida. Nunca ousara o mais.
Acontece que, invariavelmente, as coisas passavam do mais ou menos para o menos. E ela acabou perdendo e diminuindo o que havia conquistado.
Cada derrota era um caco que se perdia e separava-se de seu corpo.
Foram tantas as perdas que não podia se ver pelos montes de cacos espalhados por aí. Uma grande salada de vidros, histórias e assombrações.

- Estou deixando de ser caquética. Aprendi a querer o mais, sempre o mais, a não me contentar com pouco, nem com restos. Eu mereço ser feliz!!! Estou lutando para conquistar o que sonhei.
Hoje, meus cacos estão de colatudo nova. Pode ser que os remendos fiquem aparentes, não importa. Em pouco tempo vou conhecer a minha imagem perdida em cada pedaço.

Milena deu meia-volta. Tinha acabado de se olhar no espelho e ouvia, longe, a voz da amiga:

- Quem sabe, querida Milena, se não é hora de você fazer o mesmo?...



Do livro ROBÔ DA VIDA E OUTROS CONTOS
Copyright© 1993 by Angela Moura



Repasse com os devidos créditos




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